Caminho de Cora Coralina

CAMINHO DE CORA CORALINA

“Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista.”

@meloruffino

O ano de 2020 deixará para sempre alguma marca em todos nós. Fomos lançados e obrigados a nos reinventarmos. No meio disso tudo recebi o convite para o Caminho de Cora Coralina. Seriam 280 km cortando o coração do cerrado brasileiro e sentindo novamente os ares da liberdade. Arrumei as malas e fui.

A história de Ana Lins dos Guimarães Peixoto precede o caminho: uma mulher que cursou até a terceira série, ganhava a vida como doceira, e só começou a publicar seus trabalhos aos 76 anos.

@meloruffino

Escrever era uma atividade paralela, e ela chegou a ser convidada para a Semana de Arte Moderna, mas por limitações impostas pelo seu marido, não pôde participar.

Um pouco mais tarde, fugiu no lombo de um cavalo com Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, saindo de Goiás para São Paulo, e retornando a Goiás apenas em 1956, ficando até o final da vida.

Sua poesia vem das miudezas, do cotidiano, da sabedoria do dia a dia, de quem passou pela vida prestando atenção a cada detalhe do caminho.

@meloruffino

Uma história que inspira a coragem de se livrar das amarras, que é possível criar com qualquer idade. Também ensina que nossa jornada tem ensinamentos diários e simples, e foi com esse espírito que desembarquei em Brasília e fui recebido pelo Nilo no aeroporto.

“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.

@meloruffino

Dia 01 – Brasília

A capital, de tanto vermos em jornais, acaba parecendo uma velha conhecida. Larguei a mala no hotel e saí para caminhar. A arquitetura branca e moderna de Oscar Niemeyer, tudo organizado em quadras norte e sul e a imagem da Praça dos Três Poderes impressionam. As quadras não têm fim, e mais tarde descobri ou fui informado que em Brasília não se anda. Tarde demais, já havia feito uns 8km.

@meloruffino

Dia 02 – Corumbá de Goiás / Pirenópolis

Fomos de van até a cidade de Corumbá, onde descarregamos as bicicletas em frente a uma igreja. Montamos nas bicicletas, carimbamos o passaporte e seguimos para o primeiro dos 58 quilômetros que nos separavam do nosso destino, Pirenópolis.

O sol no cerrado não dá trégua, e a baixa umidade faz sofrer quem não está acostumado. Ainda bem que os vários pontos de água pelo caminho permitem um refresco e retomar o pedal com o “radiador resfriado”.

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Cruzamos o Parque Estadual dos Pireneus e chegamos no famoso Ventilador após uma longa subida; o estradão engana com buracos com areia, e é preciso atenção principalmente nas descidas mais agressivas.

Chegamos na linda pousada ao fim da tarde, recompensados com um banho de piscina e dadinhos de tapioca para enganar a fome e aguardar a famosa culinária goiana.

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Dia 03 – Pirenópolis / São Francisco de Goiás

Se havia um dia com expectativas criadas, era esse. Todos falavam da subida do Seu Quinzinho, figura que representa o estado de Goiás e o Caminho de Cora. Depois de tantos anos rodando de bicicleta, achei que seria mais uma subida. Me enganei e não foi com a subida.

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Saímos cedo com novos acompanhantes, passamos pela Fazenda Babilônia e toda a sua história desde 1800, atravessamos uma roda d ‘água, fui tomado pelo encantamento por aquele pedaço de terra e comecei a processar aquele mundo novo.

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Fizemos a subida do seu Quinzinho entre estradões, pedras e singles, e quando chegamos ao ponto mais alto, batemos a tradicional foto da conquista do morro, sem imaginar que a descida seria beirando a encosta da montanha, com pedrinhas, pedras e pedrões impedindo o único caminho possível. A chegada foi pura comoção. Nunca fiquei tão feliz de ver alguém: era Seu Quinzinho, carregando uma penca de banana nas mãos e olhando como se meu feito não fosse tão grandioso assim. Ele me falou que tudo o que eu desci uma menina tinha subido sozinha semana passada. Tomei 3 copos de suco de seriguela e dois calmantes para parar de tremer.

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De volta para a terra, chegamos em São Francisco de Goiás, com estradões sem fim, e paramos para um almoço típico goiano feito só para nós. Era o famoso arroz goiano, uma mistura maluca que comi até dar câimbra no maxilar. Depois, pousada, banho e cama.

“Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.”

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Dia 04 – São Francisco de Goiás / Itaguari

Hoje a surpresa era a pousada em que terminaríamos o dia. O suspense foi criado e o grupo ficou todo desconfiado.

Na saída, passamos no Museu de Cora, onde tivemos uma explicação apaixonada da região. Enquanto o moço não economizava palavras, eu olhava para fora e via o sol cada vez mais alto, maior e mais quente; iríamos sofrer de novo.

@meloruffino

Tivemos que carregar um punhado de castanha de baru e dois abacaxis, porque goiano é assim, caloroso e receptivo.

Mais um dia no cerrado brasileiro de personagens, de frutas como pequi, seriguela, tamarindo, caju vermelho, da comida típica como a gueroba, do sol incansável com encontros improváveis de água, do estradão empoeirado, de um Brasil rico.

Encontramos alguns pés cheios de caju vermelho. Enchi o bolso de trás da camisa e descobri à noite que é ótimo para manchar as peças. Já o tamarindo comi com moderação, pois já tinha ouvido relatos do desarranjo que ele causa com a turma que se empolga.

Paramos na beira de um rio para nos refrescar e curtir um pouco a preciosa presença de sombra, algo não tão comum no percurso. Nesse dia, durante o piquenique na igreja local, um vento inesperado e forte arremessou algumas frutas da árvore em que estávamos embaixo sobre nós. Sorte que todos estavam de capacete.

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Finalmente chegamos na pousada, em cima de um posto de gasolina e com um bar embaixo. Existem boatos de que alguns dormiram no próprio bar, ao lado da geladeira, porque estava mais fresco que o quarto. Nessa noite, de 15 em 15 minutos, estouravam bombas na rua, e ninguém soube explicar a razão.

“O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.”

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Dia 05 – Itaguari / Goiás Velho

Chegamos ao último dia de pedal, com as pernas mais cansadas e aquela vontade de completar todo o percurso, porque já bate aquela saudade da turma, das brincadeiras e até dos perrengues. Então, é curtir cada quilômetro que falta.

De todos os dias de pedal, esse provavelmente foi o mais demorado. Seguimos bem por 85% do percurso, mas o final que passa pelo túmulo do famoso Chico Mineiro é mais travado, um tal de pula cerca, carrega bike, passa por cima de pedra e se esconde de boi.

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Também é a parte do caminho com sinalização mais difícil. É preciso ficar atento para não errar nas bifurcações.

Entramos em um single, uma parte com mato mais alto até voltarmos a estrada e encontrarmos um piquenique montado que parecia uma miragem. Chupei três laranjas com casca e tudo. A promessa era que dali para frente seria só descida. Só promessa.

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Os últimos quilômetros foram de uma descida longa cascalhada, com a poeira levantando e o sol se pondo, um visual que era pura poesia, já tinha dado aquele nó na garganta.

Paramos na igreja, onde aguardamos todos e aquela cumplicidade de feito concluído já estava no ar. Faltava o asfalto e chegar na cidade e no Museu de Cora, para ver a estátua dela sentada no banquinho.

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Para finalizar essa história: a linda igreja da praça, o sol se pondo, a imagem de Cora e o grupo se abraçando.

Na pousada, um violão e todos cantando junto aquelas músicas que aliviam o coração e descansam as pernas.

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Importante: O caminho de Cora não tem infra durante o percurso. É importante você ir com alguém que opere na região e tenha experiência. A Logística Aventura foi quem cuidou de tudo.

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Galeria

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