Três anos e dois meses de viagem, 46 países, cinco continentes, centenas de cidades, uma bicicleta, 40 mil quilômetros pedalados. Pelo caminho, pessoas, encontros e desencontros, despedidas, desgaste físico, emocional e mental, dois acidentes, doenças, hospitais, solidão. Na bagagem, 30 kg nos alforjes, 15 pneus trocados, diversas correntes, paisagens incríveis, pedradas, noites mal dormidas, frio de -30°C, calor de 48°C. Coragem, medo, dúvidas, descobertas, sorrisos, um objetivo, uma volta ao mundo e um único viajante…

Balsa sobre o Rio Mekong Laos, 2007. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

Arthur Simões nasceu em São José dos Campos-SP, cresceu em Jacareí, cidade vizinha, onde ganhou sua primeira bicicleta com quatro anos de idade. “Minha atração por bicicleta surgiu na infância, com minha primeira bicicleta. Lembro que caía e, às vezes, me quebrava todo, mas sempre consertava a bicicleta e voltava a pedalar. Com sete anos de idade quebrei feio o braço esquerdo descendo uma ladeira e minha mãe me proibiu de andar de bicicleta por um bom tempo, mas mesmo assim e com o braço engessado, eu continuava pedalando…”
“Creio que essa atração se deve ao fato de eu ter visto na bicicleta a possibilidade de fazer atividades de forma independente, como ir para a escola, encontrar amigos e até descobrir lugares mais remotos de minha cidade e cidades vizinhas”, diz Arthur.

Aos 13 anos, ele já pedalava de Jacareí até Taubaté que, ida e volta, somava cerca de 80 km. Além disso, realizava outros passeios de bicicleta e costumava acampar pelo Vale do Paraíba e litoral norte paulista. Deixou a casa dos pais aos 18 anos para estudar Direito em São Paulo, ao mesmo tempo em que aprofundou o seu contato com o cicloturismo e projetos sociais.

Lago Titikaka, Peru, 2006. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

Em 2005, já formado, ele decidiu abandonar o Direito e se dedicar ao projeto Pedal na Estrada, uma viagem pelo mundo com o objetivo de conhecer diversas culturas e compartilhar o aprendizado com os estudantes brasileiros. “A ideia do projeto surgiu durante a faculdade, logo em minhas primeiras viagens de bicicleta pelo Brasil. Após percorrer a Estrada Real, em Minas Gerais, de bicicleta, lembro que um amigo me falou de um alemão que havia feito a volta ao mundo de bicicleta. No primeiro momento achei aquilo incrível, porém, muito distante, quase impossível. Mas com o passar do tempo percebi que aquela ideia permanecia em minha cabeça e se tornava cada vez mais atraente. Foi somente após me formar na faculdade que resolvi colocar a ideia em prática. Juntei a bicicleta, que já era uma paixão antiga, à vontade de viajar, à curiosidade pelo desconhecido e ao prazer de compartilhar tudo o que eu descobrisse pelo caminho com o maior número de pessoas possível. Com isso nasceu o Pedal na Estrada, uma volta ao mundo de bicicleta que somada à um projeto educacional levava informação de um mundo ainda pouco conhecido para perto de muitos estudantes brasileiros”, conta.

Arthur relata abaixo os detalhes da sua viagem, desde a preparação, as curiosidades do caminho e as lições desse empolgante desafio.

Giza, Egito, 2008. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

Preparação para a viagem

O roteiro foi o primeiro passo para planejar a viagem. Na verdade, aos 23 anos de idade eu nunca havia feito nada daquele tamanho e nem sabia ao certo por onde começar. Achei que seria prudente começar pelo roteiro da viagem. Com isso bem estruturado poderia definir todo o resto. Durante meses lidei com mapas, atlas, régua e compasso até traçar a rota base da viagem e ao final eu tinha 28 países. Nesse roteiro inicial, os países localizados entre os trópicos foram priorizados, para que assim eu evitasse invernos mais rigorosos em meu caminho. Também dei atenção especial para trajetos famosos e, em alguns casos, desafiadores, como a travessia do Deserto do Atacama pelo alto Paso de Jama, com mais de 4.700 metros de altitude; a Estrada Panamericana; a Great Ocean Road na Austrália, uma das estradas mais bonitas do mundo; trechos da antiga Rota da Seda; o caminho de Dom Quixote na Espanha, dentre outros.

Escolta 24 horas por dia. Paquistão, 2007. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

Quando tive a ideia de percorrer o mundo sobre duas rodas não esperava ir sozinho. Falava sobre a viagem para alguns amigos e muitos se animavam, alguns até diziam que queriam vir também. No entanto, quando essas pessoas viam o quanto teriam que trabalhar para planejar tudo, treinar, juntar os equipamentos e conseguir patrocínios, logo perdiam o interesse, pois já passavam a acreditar que não conseguiriam passar dessa fase. Como nem chegaram a tentar, não conseguiram mesmo.

Após um tempo percebi que aquele era um sonho meu e também não adiantava querer empurrá-lo para ninguém. Se quisesse mesmo realizar minha viagem, tinha que estar disposto a arriscar e levar o meu projeto até o fim, ainda que para isso tivesse que ir sozinho. A maioria das pessoas tinha objetivos diferentes dos meus, como comprar um apartamento, trocar de carro e se casar. Eu respeitava isso e naquele momento eu sabia que estava nadando contra a maré, rumo a uma vida sem destino certo. Dali para frente eu seria um desconhecido e um nômade por anos. A única certeza que eu tinha era que aquele era o meu caminho e ninguém poderia me desviar dele.

Humauaca Argentina, 2006. © Arthur Simões/Arquivo pessoal
Desfiladeiro do Nilo Azul Etiópia, 2006. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

As lições da volta ao mundo

Quando resolvi realizar esta viagem estava ciente de que a vida é a maior de todas as escolas. Assim, o simples ato de viver intensamente, conhecer novas culturas e aceitar tudo o que a vida me trouxesse, por si só, me traria mais que qualquer livro ou professor. Essa postura mais aberta, menos arrogante, de questionar quase todas as minhas certezas, foi o que mais marcou esta viagem.

Outro fato marcante foi sentir na pele que nós somos aquilo que acreditamos ser. Somos nossos sonhos, vontades, medos e desejos. Quando acreditamos que podemos fazer alguma coisa, já demos o primeiro passo para a realizarmos. Acreditar é tão importante quanto ter coragem para realizar.

Acredito que a vida nômade tenha me ensinado que o que temos de mais importante em nossa vida nós carregamos dentro de nós mesmos, não importa aonde estejamos. Mostrou também que não precisamos de muito para sermos felizes, pois mais importante que aquilo que temos, são as pessoas e amizades que cultivamos.

SE QUISESSE MESMO REALIZAR MINHA VIAGEM, TINHA QUE ESTAR DISPOSTO A ARRISCAR E LEVAR O MEU PROJETO ATÉ O FIM, AINDA QUE PARA ISSO TIVESSE QUE IR SOZINHO.

Punjab Paquistão, 2007. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

O caminho

Antes mesmo de me surpreender com as culturas e costumes dos locais por onde eu passava, me surpreendi com a minha própria cultura. Somos condicionados a estereotipar, classificar e a julgar o mundo e tudo à nossa volta, sempre adotando a nossa referência como a correta em detrimento de todas as demais. A beleza do Pedal na Estrada estava em ser uma viagem solitária que passava por países não muito conhecidos. Por estar sozinho, eu tinha que abrir mão de minhas referências, verdades e certezas para então tentar entender e viver aquela cultura onde eu estava, sem julgá-la.

De forma mais objetiva, eu me surpreendi muito em alguns países que não conhecia muito bem antes de chegar lá. Em diversos países do Sudeste Asiático, especialmente em Mianmar, fiquei muito surpreso com a pureza, simpatia e hospitalidade das pessoas. Era incrível perceber que justamente nos países onde as dificuldades e privações eram muitas, eu encontrava as melhores pessoas. Parecia uma forma de compensar as dificuldades que essas pessoas enfrentavam.

Uma dificuldade que eu não pude prever na fase de planejamento e que me acompanhou durante boa parte da viagem, foram os problemas com as diferentes comidas, temperos, águas e bactérias que existem no mundo. Como a comida era o combustível que eu precisava para pedalar, sempre que tinha algum tipo de problema digestivo, ficava enfraquecido e tinha que descansar um pouco até poder voltar a pedalar.

Templo de Amritsar Índia, 2007. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

OUTRA DIFICULDADE, QUE SURGIU SOMENTE NO FIM DA VIAGEM, FOI A SOLIDÃO.

Outra dificuldade, que surgiu somente no fim da viagem, foi a solidão. No início da viagem ficar só estava longe de ser um problema, mas passado alguns anos de vida solitária e nômade, aprendi a dar o devido valor à companhia das pessoas e senti falta do convívio mais próximo com alguém. Percebi então que era bom eu voltar para casa antes que eu me tornasse um lobo solitário.

O primeiro acidente, curiosamente, não ocorreu sobre a bicicleta. Eu havia chegado em Dubai e estava hospedado na casa de um amigo brasileiro que vivia lá, o Luís, quando percebi que teria que ir à embaixada brasileira para tirar um novo passaporte, já que o meu não tinha mais folhas vazias. Tomei um ônibus até Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes, justamente no dia em que caiu a pior chuva dos últimos 15 anos da região, que quase nunca vê chuva alguma. Na volta para Dubai, o micro-ônibus que me levava perdeu o controle e capotou na estrada. Algumas pessoas se machucaram bastante, mas por sorte saí apenas com alguns arranhões, ainda que com um iPod e uma câmera fotográfica a menos.

Escoltado pelo exército Iêmen, 2008. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

O segundo acidente foi um pouco mais grave. Estava na Turquia, pedalando no acostamento de uma das poucas estradas planas do país, quando um caminhão invadiu o acostamento, bateu em minha bicicleta e me arremessou para longe. Por sorte, ele não passou por cima de mim e nem da bicicleta. Consegui sair desse acidente apenas com meu joelho direito e as mãos machucados. Apesar de ter me recuperado em pouco tempo, tive ainda que consertar toda a bicicleta e comprar um novo computador, até poder voltar a viajar normalmente.

Creio que sou um pouco cabeça dura e não deixei nada me desviar do caminho que eu havia traçado até que eu o tivesse concluído. Apesar de meu corpo já estar um pouco cansado e debilitado por contas das diversas infecções alimentares que eu tive ao longo da viagem, sabia que poderia me tratar e continuar em frente, rumo à conclusão do projeto. Quando eu me sentia mais cansado, encontrava a motivação que eu precisava para continuar nas mensagens de apoio que amigos e estudantes enviavam para mim.

Great Ocean Road Austrália, 2006. © Arthur Simões/Arquivo pessoal

“QUANDO EU ME SENTIA MAIS CANSADO, ENCONTRAVA A MOTIVAÇÃO QUE EU PRECISAVA PARA CONTINUAR NAS MENSAGENS DE APOIO QUE AMIGOS E ESTUDANTES ENVIAVAM PARA MIM.”

O fim da viagem, com o retorno para o Brasil, foi uma parte difícil do projeto. Sentia que estava adaptado àquele estilo de vida e que gostaria ainda de conhecer muitos outros lugares pelo mundo afora, assim como gostaria de passar algum tempo em apenas um país para conhecê-lo mais a fundo. Mesmo com essa vontade, eu tinha a consciência de que devia retornar ao Brasil e concluir o Pedal na Estrada antes.

Gostei muito de alguns lugares por onde passei. Poderia morar com facilidade em muitos deles, como Austrália, Malásia, Israel, Espanha, França e Portugal, que em minha opinião são alguns dos países incríveis para se viver.

© Arthur Simões/Arquivo pessoal

Depois da viagem

Quando retornou da viagem, em 2009, Arthur passou a compartilhar suas experiências e escreveu o livro O Mundo ao Lado, lançado em 2011, com passagens e reflexões da viagem.

Atualmente, o viajante realiza palestras e projetos especiais para empresas e universidades, sempre em busca de compartilhar o seu conhecimento e inspirar mais pessoas a atingirem os seus objetivos, além de continuar a pedalar pelas ruas de São Paulo. “Ainda pedalo bastante, pois sempre que posso coloco a bicicleta em meu dia a dia, não só como esporte, mas inclusive como meio de transporte. De toda forma, entendo as dificuldades crescentes de se pedalar em São Paulo. De quando eu saí, em 2006, para agora, sinto que o trânsito está muito mais carregado e caótico, o que também dificulta qualquer pedalada pela cidade. Muitas vezes, uma pedalada de poucos quilômetros pode virar uma aventura diante dos perigos do trânsito de São Paulo”.

© Arthur Simões/Arquivo pessoal