Cansou? Pois então, esta é a proposta de evento que tem chamado a atenção de ciclistas que buscam um desafio intenso. O evento AGV – A GRANDE VOLTA – acontecerá em 2018 pelo terceiro ano consecutivo e já conta com desafiadores de todos os cantos do Brasil e exterior.

A cada dia vencido, os STRONGERs recebem uma parte da mandala que será formada ao longo de todo o percurso. © Terrau Esportes

Em 2016 foram apenas seis ciclistas a completar a prova. Já em 2017, foram trinta bikers e, em 2018, serão sessenta. Não será possível abrir mais vagas devido a falta de leitos na rede hoteleira destas pequenas e belas cidades por onde o evento passará.

Essa história começou há dezessete anos atrás, quando ao final de um relacionamento conjugal a chapa começou a esquentar e eu precisava esfriar-me. Peguei uma velha MTB que usava para pequenos rolês e parti em direção a Cabo Frio (RJ) saindo da minha região – Juiz de Fora (MG) – distante 450km, pedalando por estradas vicinais de terra. Até então, eu tinha uma ébria noção por onde passar. Era verão, fevereiro, o sol rachava por um lado e a chuva rebatia do outro. Com isto, é claro, muita lama, algumas perdidas, tombos e muita diversão. A ideia era rodar cerca de 80km/dia, portanto, cinco dias de pedal solitário, mas tudo dentro da minha expectativa, isto é, muito perrengue e trilhas desconhecidas. Cada parada para informação sobre o caminho a seguir era um motivo para ter os olhos arregalados, pois tentavam inicialmente me indicar o caminho mais curto, mais rápido (asfalto), e eu dizia que queria o caminho mais difícil, por terra e se possível com algumas roubadas.

© Terrau Esportes

Ah, “roubadas” não faltaram. Logo no primeiro dia, um mortal carpado rodando por cima do guidão e caindo sobre a mochila fixada às costas. Isto fechou o primeiro dia. E assim foi, no segundo dia um tombo daqueles de sair lambendo a terra por uns 30 metros, causado por um guidão mal fixado.

O detalhe é que naquela época eu não usava nenhum tipo de equipamento de segurança como capacete, luvas, sapatilhas, short com gel…nem pensar! Apenas levava uma mochila nas costas com cerca de 20kg, e nela havia apenas as roupas que usaria nestes cinco dias e as que usaria para voltar. Ah…também estava lá uma máquina de retrato de manivela que usei para fazer os registros e que, dois dias após, seriam perdidos.

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No quarto dia chovera torrencialmente, aliás, chovia torrencialmente todos os dias ao final da tarde. Neste dia, eu consegui chegar em Barra do Sana (RJ) e me hospedei numa lúdica pousada ao lado de um belo riacho. À noite, saí a pé para achar um lugar para comer e só achei um barzinho onde estava o melhor PF que poderia encontrar. Enquanto comia caiu a maior tromba d´água que já presenciei na vida. Mas, tudo bem, em geral uma tromba d´água passa rápido. Passou, e levou a ponte que usei para chegar na minha “lúdica” pousada. O jeito foi tomar uma “branquinha” para esquentar e seguir rio acima para ver se havia sobrado uma ponte que me permitiria atravessar e tentar chegar na pousada. Enfim, achei a ponte e cheguei na pousada com a água batendo nas canelas.

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O dia seguinte, quinto e último, amanheceu com o sol estalando, arrumei minhas trouxas e mais uma vez parei para pedir informação para sair de Barra do Sana em direção a Cabo Frio. É claro, o cara da venda me disse: “você anda uns 500 metros e pega a Estrada da Serramar para descer para a Serra Fluminense”. À época, ainda não era asfaltada, mas se tratava de uma estrada com muito movimento. Não teria uma outra opção? Perguntei. O cara me disse assim: “há sim, mas é duro”. Encarei dois quilômetros de uma serra com uma inclinação absurda para, então, chegar ao “Pedacinho do Céu”, um lugar também de beleza absurda.

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A partir daquele ponto, no alto da Serra começaria um downhill vertiginoso de mais de 12km que me levou ao nível do mar, no Rio Macaé.

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Aí imaginei que dali em diante seria plano. E era plano realmente, mas toda aquela água que caíra na Serra desceu a montanha e, após cruzar uma ponte, me deparei com a estrada de terra tomada pela água. Eu via que a estrada terminava ali e que recomeçava dali uns 100 metros, onde a enchente terminava. Pensei, e não quis voltar porque não sabia quantos quilômetros seriam. Segui em frente pedalando até quando foi possível e depois tive que empurrar. A água chegou até o meu queixo e todo o resto ficou submerso, a bike, eu e a mochila. E claro, a máquina de retrato com todos os meus registros.

Alguns metros após sair da água, um rapaz me parou dizendo que eu havia arriscado muito, pois havia um jacaré naquela área. Eu apenas ri.

Algumas horas mais tarde eu chegava em Cabo Frio, extenuado, arranhado, com tudo molhado, mas satisfeito da vida por ter fechado aquele ciclo.

Uns quatro anos mais tarde, um amigo me pediu para fazer este mesmo rolê com ele e lá fomos nós com os perrengues agora divididos entre os dois. Mas, conseguimos fechar também em cinco dias usando a mesma rota anterior. A partir daquele momento nascia o K450 – das montanhas de Minas ao mar de Cabo Frio.

Durante sete anos consecutivos fizemos este evento ao qual classificamos de “Desafio Radical”, pois a cada dia eu arrumava um jeito de deixar o percurso mais difícil, mais duro, mais áspero. Era um singletrack aqui, um downhill ali, uma mata fechada, um empurra-bike, e este evento foi tomando forma. Mas a intenção era de sempre trazer pessoas sem “mimimis”, que estivessem dispostas a sofrer dias de pedais duros.

A gente entendia que destas “roubadas” diárias eles se lembrariam, de cada uma delas em detalhes, e se esqueceriam das estradas de terra, entediantes, quando frequentes.

Paralelamente vieram dois outros eventos:

IBITIBIKE

Um duríssimo role de três dias na região em torno do Parque Estadual de Ibitipoca, onde há uma reserva de fauna e flora que “abraça” o Parque formando um cinturão de proteção, amortecendo o impacto da civilização e permitindo o intercâmbio de espécies para a reprodução e a busca por alimento e abrigo. É por este “cinturão” de exuberante mata nativa preservada, que levamos os bikers até a bucólica Vila de Conceição do Ibitipoca.

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ROTA DO CONTRABANDO

Levamos os bikers de Juiz de Fora (MG) até Paraty (RJ).

Apesar de distantes (438km pela nossa rota alternativa), as histórias destas duas cidades se encontraram quando Juiz de Fora se tornou rota para o ouro que saía das minas de Ouro Preto com destino ao Porto do Rio de Janeiro – Caminho Novo da Estrada Real. Porém, parte deste ouro era desviado a partir daqui, criando-se com isto algumas Rotas de Contrabando, não somente de ouro, mas também de mercadorias.

Portanto, é nesta rota que levamos os bikers, passando por três estados brasileiros (MG, SP, RJ) e em muitos momentos passando por trilhas originalmente abertas pelos índios e que ainda guardam as pegadas de antigos bandeirantes, tropeiros e, agora, bikers.

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Não obstante, juntamos as dificuldades individuais destes três percursos radicais e surgiu A GRANDE VOLTA, um dos maiores, mais duros e mais belos percursos de MTB, quando, ao mesmo tempo, jogamos os STRONGERS (bikers que conseguem vencer os 11 dias de pedal sem subir em qualquer tipo de apoio) no meio de dificuldades que nunca esquecerão e que, em contrapartida, podem descansar em boas pousadas e desfrutar de boa gastronomia.

A cada dia vencido, os STRONGERs recebem uma parte da mandala que será formada ao longo de todo o percurso. Se o biker desistir por um dia, a sua mandala não se formará e ele terá que retornar para fazer tudo novamente.

E, então, vamos nessa?