É a fome do mundo.
Uma fome que não pode ser suprida apenas com comida…

Durante os mais de três mil quilômetros entre Paris – França e Varsóvia – Polônia, o francês Baptiste Dublanchet passou por sete capitais europeias. Não gastou com locomoção: foi de bicicleta. Não gastou com hospedagem: levou uma barraca na bagagem e contatos de pessoas dispostas a compartilhar acomodação gratuita. Não gastou com alimentação também: seu objetivo era se alimentar apenas com a comida que seria descartada no lixo.

O francês Baptiste Dublanchet havia trabalhado em um hotel cinco estrelas e ficou impressionado com o desperdício de comida. “Vi buffets de luxo, como pequenos almoços de 65 euros, indo para o lixo”, lembra o francês. A situação, contrária à realidade de escassez de alimentação e fome em outras partes do mundo, levou Baptiste a idealizar o projeto que chamou de “La Faim du Monde”, ou “A Fome do Mundo”.

Em abril, Baptiste saiu de Paris, na França, para uma jornada de mais de três mil quilômetros até Varsóvia, na Polônia. No caminho, não comprou comida. Ao chegar nas cidades, ele procurava supermercados, restaurantes e padarias que pudessem lhe ceder o alimento que seria descartado. Com isto, quis chamar a atenção para o quanto os europeus jogam comida ainda comestível no lixo. Ele conta: “fiquei impressionado ao ver o quanto é desperdiçado. É surpreendente abrir uma lata de lixo e encontrar tantas frutas, iogurtes, queijos e outros alimentos bons o suficiente para comer, jogados fora”.

© Baptiste Dublanchet

Eu só aceitava comida que seria jogada no lixo – ou que já estava no lixo: 100% da minha alimentação teria sido desperdiçada.

Um lojista de Bruxelas, capital da Bélgica, disse a Baptiste que também ficava decepcionado de ter que jogar fora todo dia uma caixa cheia de vegetais “danificados”, que não tinham nada sério, mas que não podiam mais ser vendidos a seus clientes. Outros comerciantes afirmaram que são parceiros de associações que ajudam necessitados, e doam seus alimentos perecíveis e não vendidos durante o dia. Mas houveram muitas recusas. Alguns comerciantes não queriam ceder o alimento “danificado” para ser consumido, e outros achavam incoerente financeiramente oferecer alimento gratuitamente.

Segundo Baptiste, “a República Tcheca foi um dos lugares mais difíceis para encontrar comida. Foram mais de 50 supermercados e padarias visitados até receber um sim. As pessoas lá simplesmente não entendiam o conceito do projeto. Eles associavam o fato de comer comida do lixo a mendigos e sem-tetos. Por fim, consegui restos de pão em uma padaria”.

© Baptiste Dublanchet

Quis chamar a atenção para o quanto os europeus jogam comida ainda comestível no lixo.

Estas sobras, lixos e alimentos não vendidos foram a alimentação de Baptiste durante toda a viagem. “Eu só aceitava comida que seria jogada no lixo – ou que já estava no lixo: 100% da minha alimentação teria sido desperdiçada. Não escolhi o que eu iria comer, mas tive o que comer durante todos os dias e não fiquei doente em nenhum momento. Se eu consigo encontrar comida descartada suficiente para me alimentar por três meses, é porque os países industrializados são ricos o suficiente para se dar ao luxo de jogar toneladas de alimento ainda comestível no lixo”, afirma.

O cenário é dicotômico: dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostram que a produção mundial de alimentos, no atual estágio de desenvolvimento, poderia alimentar normalmente 12 bilhões de pessoas com 2,2 mil calorias por adulto, em média; ou seja, quase o dobro da população mundial. Mesmo assim, uma criança com menos de 10 anos morre de fome a cada cinco segundos e cerca de um bilhão, dos sete bilhões de habitantes da Terra que somos, sofre de subnutrição grave.

© Baptiste Dublanchet

“Recolher alimento do lixo não é uma boa solução para lutar contra o desperdício. A verdade é que alimento comestível não deveria estar no lixo. Mas esse foi o meio que encontrei para tentar gerar conscientização sobre o tema e denunciar esse flagelo que provoca a morte de milhões de pessoas de fome, afeta nosso meio ambiente e causa prejuízos financeiros”, finaliza o ciclista.

A bicicleta de Baptiste nos leva a uma nova percepção de um problema complexo: de um lado o desperdício, de outro, pessoas que por diversos motivos não têm o que comer. É a fome do mundo. Uma fome que não pode ser suprida apenas com comida…

A produção mundial de alimentos… poderia alimentar normalmente 12 bilhões de pessoas

© Baptiste Dublanchet