Você é empresário e quer contribuir para um mundo melhor, incentivando o uso da bicicleta pelos seus funcionários? Falou com amigos a respeito, mas ficou assustado com o risco de ser responsabilizado por algum acidente? Convidei meu amigo de longa data, o procurador do Ministério Público do Trabalho Fabiano Holz Beserra para me ajudar a esclarecer as dúvidas sobre a legislação trabalhista. E contei também com o auditor fiscal da Receita Estadual de Santa Catarina Vicente Vitelmo Freitas nas dúvidas tributárias. Pesquisamos juntos com profundidade legislação e jurisprudência (decisões dos tribunais).
Confira e… Vá lá, coloque sua empresa no rol das mais inovadoras você também!

1. Se dou uma bicicleta ao empregado, isso incorpora ao salário? Faz nascer alguma obrigação ou direito trabalhista?

Não. É considerado apenas um abono, um presente, sem natureza salarial, porque não remunera o trabalho e não é constante.

2. E se a empresa emprestar a bicicleta para o empregado?

O comodato é uma possibilidade, que pode facilitar na organização contábil, já que não será considerada uma doação. Não há diferença alguma para o Direito do Trabalho. Também não incorpora ao salário, não cria obrigação trabalhista nova, nem tampouco tributária.

3. Tenho que recolher algum tributo sobre o valor da bicicleta?

O único imposto a mais que poderia incidir seria o imposto sobre doações. Entretanto, neste caso quem teria que pagar o imposto seria o empregado, e a legislação geralmente isenta a tributação para valores pequenos (em Santa Catarina, abaixo de R$ 2.000,00 não é tributável). Mesmo que a empresa doe uma centena de bicicletas, para fins tributários o valor a ser considerado será o da doação recebida pelo empregado, e não do valor total da doação realizada.

Se houver doação, a empresa declarará esta doação à Receita Federal, e o empregado terá que declarar o recebimento da doação e recolher o tributo incidente. Claro que isso só vale para empregados que não sejam isentos do Imposto de Renda. O Imposto de Renda é devido pelo empregado, e não pelo empregador, neste caso.

Na maior parte dos estados (SC, PR, RS, RJ, dentre outros), o ICMS sobre bicicletas é recolhido em regime de substituição pelo próprio fabricante. Isso significa que o empresário não terá que recolher ICMS sobre a bicicleta adquirida para doação ao empregado.

4. E se eu financiar para o empregado? Pensei em pagar à vista para ele e descontar na folha de pagamento. Pode?

Sim, desde que previsto em convenção coletiva de trabalho e previamente autorizado pelo empregado.

Se o financiamento for realizado com instituição financeira, não é necessária a convenção. Basta que haja prévia autorização pelo empregado. A empresa deve arquivar este documento por cinco anos na empresa. Do ponto de vista trabalhista e tributário não muda nada.

O valor máximo a ser descontado é de 30% do salário. Em caso de desligamento, o empregado passa a ser responsável por continuar pagando o financiamento.

5. E se o empregado se machucar no caminho da casa para o trabalho, de bicicleta?

A regra é a mesma para o caso de acidente com moto, carro, ônibus, ou seja, é considerado acidente de trabalho, qualquer que seja o veículo. Logo, aplicam-se as regras sobre auxílio-doença e a estabilidade acidentária de 12 meses, qualquer que seja o veículo. Não há agravante algum no fato de o empregado estar de bicicleta.

6. Como fica o vale-transporte? Posso financiar a bicicleta com o vale-transporte?

O vale-transporte só é devido em caso de uso de transporte público. O empregado que vem de bicicleta não tem direito ao vale-transporte. Isso não impede o empregador de fornecer o vale-transporte, se assim quiser.

Sem convenção coletiva (veja mais no item 7), não é correto utilizar o vale-transporte para pagar a bicicleta.

Mas, no fim das contas, para o empregador, dá no mesmo: a empresa fornece a bicicleta e o empregado deixa de usar transporte público; a empresa ganha, porque fica exonerada do vale-transporte; o empregado também, porque se livra do trânsito e ganha em qualidade de vida.

a empresa fornece a bicicleta e o empregado deixa de usar transporte público. a empresa ganha, porque fica exonerada do vale-transporte. o empregado também, porque se livra do trânsito e ganha em qualidade de vida.

7. O tempo que o empregado levar no trajeto casa-trabalho deve ser descontado da jornada?

Só se o local do trabalho for considerado local de “difícil acesso ou não servido por transporte público”. Na prática, se o empregado for de bicicleta, é improvável ser caso de pagamento do tempo de deslocamento (a chamada jornada in itinere).

8. O que pode ser previsto a respeito na convenção ou acordo coletivo de trabalho?

Temos notícia de pelo menos duas recentes convenções coletivas de trabalho que, atentas à responsabilidade socioambiental da empresa, estipularam a manutenção do vale-transporte ou o pagamento de gratificação mensal como incentivo para o uso de bicicleta. Numa delas, de janeiro de 2015, está previsto o fornecimento da bicicleta, pagamento ao empregado de R$ 50 mensais a título de manutenção da bicicleta, e direito à doação da bicicleta após um ano de uso. Para estes empregados não é devido vale-transporte e também não é realizado o desconto de 6% do salário.

As convenções são importante instrumento de legitimação dos pactos realizados entre empregados e empregadores. Trazem mais segurança para todos os envolvidos. Mas as convenções podem ser discutidas em juízo e a gratificação pode ser considerada “salário” para fins trabalhistas. Como o tema é muito recente, não houve decisão nos tribunais a respeito ainda.

9. Se eu destacar um funcionário para ser monitor ou bike-anjo dos demais interessados, há alguma consequência?

Geralmente não. A jurisprudência trabalhista entende que só há necessidade de pagamento de diferença salarial quando forem determinadas tarefas estranhas à função para a qual foi admitido e que requeiram “maior conhecimento, responsabilidade ou habilitação específica”, o que não é o caso do bike-anjo.

10. Se a bicicleta for furtada do pátio da empresa, quais as minhas responsabilidades?

As mesmas no caso de furto de qualquer outro tipo de veículo. A empresa tem que indenizar se o furto ocorrer em estacionamento posto à disposição do empregado. Outra vantagem da bicicleta aqui: é melhor indenizar uma bicicleta de R$ 1.500 do que um carro de R$ 25.000. Se for construir um bicicletário, utilize o guia técnico da Transporte Ativo.

11. Alguém pode me processar por isso?

Não! Ou melhor: é altamente improvável que isso ocorra. Pense no seguinte: estimulando o uso de bicicletas, você apenas muda o modo como o empregado vem para o trabalho, nada mais. Se ele se machucar de carro, de moto, a pé, avião, helicóptero ou… numa bicicleta que você ajudou a comprar, não faz diferença alguma para o direito trabalhista. Pelo contrário. O mais provável é que sua empresa seja vista como um exemplo de vanguarda e inovação. Parabéns!